A frase - “Doutor, como limpar os ouvidos?” talvez seja a mais ouvida pelo médico otorrinolaringologista.
O conceito de que não se deve limpar os ouvidos é tão errôneo quanto a utilização desenfreada e inadvertida de hastes de algodão.
Denominamos orelha externa a porção externa do ouvido, composta basicamente pelo pavilhão auricular e pelo conduto auditivo externo (o canal do ouvido) e distingue-se sob o nome de cerume o conjunto de produtos da pele do conduto auditivo externo, que é composto pela descamação da derme, por secreção sebácea e pelo substrato de glândulas ceruminosas.
A pele que reveste o canal auditivo não poderia ter a mesma espessura das demais, pois representaria uma barreira à entrada do som. Se muito fina, por outro lado, não traria a devida proteção, expondo o ouvido às intempéries do meio. Em razão disto temos a presença de um filme protetor, uma espécie de tapete viscoso como suplemento para a delgada pele desta região. Além de formar uma barreira física, o cerume, em condições normais, constitui um manto ácido, uma película antibacteriana, essencial para a manutenção de uma orelha saudável.
A produção da cera só se faz no terço externo da estrutura tubular que é o conduto auditivo externo, e é neste local que deve permanecer de modo a desempenhar suas funções.
Da mesma forma, é da sua manutenção nesta porção que depende a sua eliminação, feita por um mecanismo natural de migração centrífuga (isto é, para fora), da pele do ouvido.
Ao introduzirmos objetos, sejam eles cotonóides, grampos de cabelo, tampas de caneta, agulhas de costura etc, temos a sensação de limpeza ao ver a ponta destes artefatos borrada de cera, mas não é o que realmente ocorre. Na maioria das vezes estamos levando a produção ceruminosa para uma situação mais interna, onde esta não desempenhará suas funções, causará desconforto, déficit auditivo e não conseguirá ser eliminada. Como se não bastasse, tais manobras são tão arriscadas que, comumente, levam à otites, perfurações timpânicas e à variados graus de surdez, dependendo da sua extensão e profundidade.
“Mas doutor, como limpar os ouvidos?” Sim, não é à toa que os cotonóides são comercializados. E eles têm a sua função. Entretanto, o asseio desta região deve se limitar à porção externa do pavilhão auricular, com movimentos circulares, jamais introduzindo a haste no meato acústico externo. Estando a produção ceruminosa limitada à porção mais externa do canal auditivo, na maioria das vezes, a própria migração da pele a elimina naturalmente. Recomendamos a secagem diária das orelhas com o dedo indicador revestido pela toalha no pós-banho e o uso das hastes de algodão, sob orientação médica, semanalmente.
Em alguns pacientes, devido a uma pré-disposição familiar, o cerume acumula-se, ou por um excesso na produção ou por uma deficiência na eliminação, formando um tampão, de coloração variável, desde o amarelado, nos mais recentemente formados, ao enegrecido, em decorrência da oxidação, nos mais antigos. A consistência também é variável, podendo ser amolecido ou duro, fato este importante na escolha do método a ser utilizado para sua remoção. Há duas frases que sintetizam o uso errôneo das hastes de algodão em nosso meio: “O cotonóide é o melhor amigo do Otorrino” e; “O Ouvido se limpa com o cotovelo”..
Gustavo Guagliardi Pacheco
www.agpacheco.com
Publicação: E-familynet.com