Entrevista com Juiz Dr.Francisco Neto, Coordenador da campanha de incentivo à adoção legal.
Juiz Francisco Neto - Coordenador da campanha de incentivo à adoção legal defende 'com unhas e dentes' o papel do Judiciário no processo para evitar pressões sobre mães biológicas, acabar com o 'comércio' de filhos e evitar que novos pais sejam vítima de chantagens
Magistrados do Brasil (AMB) lança campanha de incentivo à adoção legal. O coordenador, juiz Francisco Neto, defende a necessidade de casais interessados e as mães que desejam dar seus filhos em adoção procurarem o Judiciário. A legalização é fundamental para preservar o direito da criança de ter uma família com estabilidade emocional e afetiva.
A adoção à brasileira é uma prática comum?
Juiz Francisco Neto - Volta e meia surgem notícias. A grande maioria dos juízes da Infância e Juventude procura manter contato com as maternidades porque essa prática pode encobrir uma compra e venda e até uma pressão sobre a mãe biológica, que às vezes está sendo obrigada.
O que a campanha Mude Um Destino já conseguiu?
JFN - Um dos efeitos práticos é o Cadastro Nacional de Adoção, idéia da conselheira Andréia Pachá (que vai unificar dados de crianças de todo o País). Temos de mudar a idéia que as pessoas fazem de orfanato, que é coisa de novela mexicana. Pesquisa do Ipea detalha quem são os abrigados e tira o mito de que todos estão lá para serem adotados: 87% possuem pai ou mãe e 60% recebem visitas regulares. Muitos estão lá porque seus pais não têm condições financeiras de criá-los.
Por que é importante a adoção legalizada?
JFN - Para evitar extorsão. Muitas vezes o casal que compra uma criança nem percebe o que está fazendo: interna a mãe num hospital particular, paga medicamento, médicos. Depois fica com o filho dela. Não pode ser assim. A mãe biológica não deve saber para onde foi o bebê. Temos casos de filhos de criação no País. Um deles foi em Goiânia (a menina mantida em cárcere privado e espancada), que nem chegou a ser uma adoção. Estamos levantando inúmeras situações parecidas. Ainda há crianças criadas para virar domésticas. Dizem que são 'filhos do coração', mas nunca regularizam a situação.
Há um consenso no Judiciário sobre adoções intuito personae (consensual)?
JFN - Há uma divergência. Um grupo entende que a mãe pode dar o filho para quem quiser. Outro diz que não é bem assim. Isso não exclui a obrigação do juiz de pesquisar os motivos da mãe, se não há uma compra e venda. Não é direito de a mãe estar com o filho, mas é direito de o filho estar com a mãe. E preciso olhar sobre a perspectiva da criança. O conforto material é importante, mas não é tudo. A menina de Goiânia talvez tivesse conforto, mas vivia em condições inaceitáveis.
A habilitação não é muito demorada?
JFN - O tempo da fila da adoção serve para maturar a idéia. Tive caso em que o casal pagou o pré-natal e o parto. Quando a criança nasceu, puseram a mãe num ônibus para o Interior. A mulher não foi e veio parar todo mundo no juizado. Perguntei aos pais se ficariam com a criança caso houvesse um problema de saúde. Responderam que nos exames estava tudo bem. Tirei a criança deles. A pessoa pronta para a adoção tem que estar preparada para tudo. Juizado exige comprovante de renda, mas quem ganha um salário mínimo também pode adotar
O senhor defende a habilitação de casais?
JFN - Com unhas e dentes. E que seja feita pelo Judiciário. O País está muito bem preparado para isso. Existe todo um processo para acolher essa pessoa e evitar que caia na armadilha e na chantagem. Defendo o processo de habilitação e o modelo de adoção que temos.
A mãe que quer dar o filho para adoção é vítima da falta de informação...
JFN - Vamos lançar uma cartilha de orientação a agentes de saúde, enfermeiros e médicos, para que quando aparecer essa mãe na maternidade possam conversar sobre a possível entrega da criança ao juizado. Há muita falta de informação. Ela tem vergonha, acha que pode ser presa. Não pensamos em fazer um documento dirigido à mãe porque pode ser entendido como campanha para que dê o filho. O que queremos é ajudar esses profissionais para que possam dizer às mães que elas não vão ser presas. O sigilo é garantido, mostrando que o gesto de amor dela vai ser mais seguro porque os casais que estão aqui passaram por essa avaliação.
Muitos casais têm medo de não serem aceitos.
JFN - Tem gente que acha que por ter sido processada por um cheque sem fundo, não vai conseguir adotar. E claro que um dos documentos é a certidão de antecedentes. Mas é para ver se a pessoa não tem um processo de abuso sexual, um histórico de violência. O comprovante de renda é para ver se a pessoa tem condições mínimas. Mas isso não significa que alguém que ganha salário mínimo não pode adotar. O que se quer é evitar abandonos.
Fonte: IPEA - http://www.ipea.gov.br
Publicação: E-familynet.com